Razão e Sentimento, Jane Austen

razao-e-sentimento– […] A grandeza não vai me trazer felicidade.
– Seria estranho se trouxesse! – exclamou Marianne. – O que é que a riqueza ou a grandeza têm a ver com a felicidade?
– A grandeza tem bem pouco – disse Elinor -, mas a riqueza tem muito a ver com ser feliz.
– Elinor, que vergonha! – disse Marianne. – O dinheiro só pode proporcionar felicidade quando não há nada mais que a proporcione. Além de uma subsistência, ele não pode oferecer nenhuma satisfação autêntica, na medida em que um mero interesse pessoal está em causa.
– Talvez – disse Elinor, sorrindo – possamos chegar a um mesmo ponto de entendimento. A sua subsistência e a minha riqueza são muito semelhantes, ouso dizer, e sem elas, com o mundo que temos hoje, ambas concordaremos que todos os tipos de conforto externo estarão indisponíveis. Suas ideias são apenas mais nobres do que as minhas. Diga-me, qual é a sua ideia de subsistência?
– Cerca de 1.800 ou 2 mil libras por ano, não mais do que isso .
Elinor riu
– Duas mil libras por ano! Mil é a minha riqueza! Imaginei como isso acabaria. (pg. 106)

A trama central da história gira em torno das irmãs Elinor e Marianne Dashwood, que após a morte do pai ficam em uma situação muito complicada e perdem inclusive a casa ondem moravam. Junto com a mãe e irmã mais nova, Margareth, elas se mudam para um pequeno chalé, em Devonshire, oferecido por um parente distante. Na nova morada as quatro Dashwood são calorosamente acolhidas por todos e logo Marianne se encanta com Willoughy, o relacionamento entre os dois jovens evolui de tal forma que todos tem o casamento entre eles como fato praticamente consumado, os únicos que se mantém reticentes quanto à isso são o Coronel Brandon, um homem gentil de 35 anos, o que o torna muito velho segundo os padrões de Marianne e Elinor pois, ela acredita que o casal deveria ser menos ostensivo quanto aos seus sentimentos antes de assumirem publicamente o noivado.

Elinor, que representa a razão do título da obra, muito pouco deixa transparecer de seus sentimentos para as outras pessoas com as quais convive, no entanto isso não a isenta do sofrimento e da aflição, antes de partir de Norland ela conheceu Edward Ferrars e apesar do temperamento discreto e reservado de ambos, eles claramente se encantam um com o outro e não é sem dor no coração que a jovem descobre que a família do rapaz se opõe fortemente a um relacionamento entre os dois apesar do meio-irmão mais velho dela ser casado com a irmã dele.

Uma das características que gosto nas histórias da autora é que ela cria personagens muito humanos, alguns são tão, mas tão verossímeis que chegam a irritar, como é o caso da Sra. Jennings por quem nutri durante toda a narrativa sentimentos conflitantes, pois embora muitos a considerem generosa, e ela de fato é em alguns momentos, a característica que mais me salta aos olhos é sua capacidade de se outorgar o direito de decisão sobre a vida alheia. Já o casal Willoughy e Marianne comungam de particularidades capazes de me fazerem querer arrancar os cabelos: são preconceituosos, egoístas e mimados mas acima de tudo julgam os outros sem nem ao menos tentar se colocar no lugar do outro.

“- Se o senhor apenas nos permitisse saber qual é esse seu negócio – disse a sra. Jennings -, teríamos condições de analisar se ele poderia ser adiado ou não.
– O senhor sairia tão somente seis horas mais tarde , ou nem isso – disse Willoughy -, se tivesse de adiar sua viagem até nosso retorno.
– Eu não posso me dar ao luxo de perder sequer uma hora.
Então Elinor ouviu Willoughby dizendo, em voz baixa, para Marianne:
– Há certas pessoas que não são capazes de suportar um passeio prazeroso. Brandon é uma delas. Ele ficou com medo de apanhar um resfriado, ouso dizer, e inventou esse truque para se safar. Eu apostaria cinquenta guinéus que a carta era de seu próprio punho.
– Não tenho dúvida disso – respondeu Marianne.” (pg. 79)

Elinor é sem dúvida minha personagem favorita, apesar de achar que muitas vezes ela sofre desnecessariamente, ela é o tipo de pessoa que se importa genuinamente com o outro, consegue se questionar e refletir sobre as motivações de atitudes aparentemente levianas, essa postura perante a vida é o que me faz admirar essa personagem que por vezes parece guiar sua vida pela opinião dos outros, mas que na verdade é apenas uma jovem inteligente que sabe quais brigas vale a pena comprar.

“Não Marianne, nunca. Minha doutrina nunca visou à sujeição do entendimento. Tudo que sempre tentei influenciar foi o comportamento. Você não deve confundir o que quero dizer. Sou culpada, confesso, de ter desejado muitas vezes que você tratasse os nossos conhecidos, de um modo geral, com maior atenção; mas quando foi que aconselhei a você que adotasse os sentimentos deles ou se conformasse ao julgamento deles em assuntos sérios?”

Razão e Sentimento foi o quarto livro de Jane Austen que li e ele só veio confirmar a minha adoração pela escritora, alguns podem estranhar o título que no Brasil de maneira geral é traduzido como “Razão e Sensibilidade”, eu estranhei, mas isso foi só até terminar a leitura porque depois achei a escolha do tradutor Rodrigo Breunig muito apropriada, pois a palavra sentimento traduz de forma mais literal a personalidade de Marianne, visto que sensibilidade eu associo mais facilmente à capacidade de se colocar no lugar dos outros e a delicadeza dos sentimentos e esse não é o caso, visto que a personagem é uma pessoa visceral, que exacerba seus sentimentos de forma nua e crua, sem pudores.

Jane Austen, como sempre, criou uma história que vai muito além do que parece, para além da superficialidade das conversas e atitudes das personagens o que encontramos em Razão e Sentimento é uma profunda análise do ser humano e a forma como nos relacionamos em sociedade.

“Elinor concordou com tudo, pois não pensava que ele merecesse o elogio de uma oposição racional.” (pg. 269)

AUSTEN Jane. Razão e Sentimento. Porto Alegre: L&PM, 2012.

Jane Austen

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E hoje é dia de homenagem à Jane Austen!

A autora nascida em 16 de dezembro, há 237 anos, é adorada no mundo inteiro por sua obra que mescla romance, ironia e uma crítica bem humorada dos costumes da época. Para registrar minha admiração por esta escritora, que de longe é minha predileta trouxe uma citação que gosto muito do livro Orgulho e Preconceito, é uma fala de Mr. Darcy em resposta à indagação de como havia se apaixonado por Elizabeth:

“Não posso determinar a hora ou o lugar, ou o olhar, ou as palavras que estabeleceram o alicerce. Foi muito tempo atrás. Eu estava no meio antes de saber que havia começado.”

Para quem quer saber mais sobre a autora recomendo o blog Jane Austen em Português, escrito com o maior capricho e dedicação pela Raquel Sallaberry.

Meme Literário 2012 – Dia 27

Dia 27 – Cite um livro que você gostaria de ler mas que por algum motivo nunca leu. Por quê? (Pergunta feita no Meme de 2010. Se você participou na época, procure comparar as respostas.)

Em 2010 respondi assim:

Nunca li “Mansfield Park”, Jane Austen simplesmente porque não existem mais edições decentes no Brasil  ainda tenho esperanças de que a Editora L&PM lance os outros cinco livros de Jane Austen em edições com traduções dignas e caprichadas, assim como fez com Orgulho e Preconceito.

Depois disso a L&PM já lançou Persuasão, A Abadia de Northanger e Razão e Sentimento, acredito que minhas esperanças de ler “Mansefield Park” não são sem fundamento 😉

Ilustrações

Passeando pelo Etsy encontrei a ilustradora inglesa Liz, que faz um trabalho muito bonito inspirado em autores como Jane Austen, Lewis Carroll e Charles Dickens. Ela tem um traço muito delicado e acredita que seu trabalho torna as personagens reais no mundo físico, para isso ela é bastante minuciosa com os detalhes, como um lábio levemente curvado ou uma sobrancelha levantada, é um trabalho realmente encantador e que enche os olhos dos apaixonados por literatura.

Persuasão, finalmente!

E hoje tem postagem especial em homenagem ao lançamento do livro Persuasão de Jane Austen por uma de minhas editoras prediletas: L&PM Editores. Além de proporcionar ao público o acesso a uma obra há muito sem edição decente no Brasil, a editora ainda caprichou ao utilizar no projeto gráfico esta capa em estilo vintage que enche os olhos, sem fala na tradução de Celina Portocarrero. Fica aqui o registrado meu agradecimento à Editora L&PM e também a esperança de ver os outros quatro títulos da autora nesta mesma coleção.