S.

Eu escolhi S. (J. J. Abrams e Doug Dorst.) como minha leitura de fevereiro do Desafio Corujesco, cujo tema era uma aventura no mar, porque uma parte deste labirinto literário se passa em um navio. Contudo S. é muito mais do que uma aventura marítima, ele é uma intricada obra de arte, cheia de mistérios e maravilhas.

Meu primeiro contato com essa obra foi logo no lançamento, bastou ler uma ou duas vezes sobre ele e já estava na minha lista de querências literárias. Apesar de logo já ter comprado o livro, acabei ficando um pouco receosa de iniciar a leitura e fui adiando, adiando… e adiando. Até que aproveitei a deixa do desafio e coloquei ele na jogada.

Para começar é necessário deixar claro que S. é uma obra bem peculiar, pois se trata de uma experiência literária e não apenas de um livro. A obra central chamada “O Navio de Teseu”, escrita por V.M. Straka é o ponto de partida desta aventura que nos conecta também com a história de Jennifer e Eric que se comunicam através de anotações nas margens do livro na tentativa de desvendarem os mistérios que cercam o autor V.M. Straka.

Eu segui um esquema de leitura para facilitar a compreensão da obra, existem várias maneiras de se lançar nesse universo, escolhi a que me pareceu mais lógica pois segue uma ordem cronológica na leitura das anotações de Eric e Jennifer.

Meu esquema de leitura

 

Na trama central de “O Navio de Teseu” conhecemos um homem sem lembranças de seu passado que é obrigado a embarcar em um navio misterioso se envolvendo em uma perigosa jornada. Este homem é chamado de S. e é a sua perspectiva que acompanhamos durante a leitura da obra principal. A leitura desta parte é labiríntica, cheia de divagações, reviravoltas e metáforas, tornando a leitura um pouco mais arrastada mas não menos interessante.

A leitura da trama dentro da trama, que envolve a história de Jennifer e Eric foi mais ágil e fluída. Os diálogos entre os dois se desenrolam nas margens do exemplar do livro que pertence à Eric e a impressão que temos é de que somos furtivos observadores da intimidade alheia. Os dois se lançam em uma investigação para tentar descobrir quem foi Straka, mas acabam descobrindo muito mais sobre si mesmos.

O projeto gráfico do livro é uma obra prima. Inclui diversos anexos que complementam a narrativa da investigação e tornam o percurso da leitura muito interessante. O capricho da edição brasileira é visível em todos os detalhes primorosos que incluem o aspecto envelhecido do livro, mapa desenhados à mão em guardanapo, cartões postais e muito mais.

Anexos

A experiência com S. foi muito peculiar e interessante, não é uma leitura que recomendo a todo leitor pois ela exige bastante e quem está iniciando no mundo da leitura pode achar cansativo, contudo para aqueles leitores, iniciantes ou não, aventureiros e destemidos é sem dúvida uma experiência que vale à pena!

Que a força da leitura esteja com você!

A Evolução de Calpúrnia Tate

Sem título-1A Evolução de Calpúrnia Tate me chamou atenção pela capa, fiquei encantada com a arte em preto e amarelo. Um rápida leitura da sinopse me fez decidir dar um chance para o livro e foi com uma alegria pulsante que durante o percurso dessa leitura me dei conta de que havia sido presenteada com uma das histórias mais doces, singelas e fortes que fiz no primeiro semestre desse ano.

O livro nos conta a história de Calpúrnia Virgínia Tate, ou simplesmente Callie Vee, uma menina de 11 anos, que vive no Texas em 1899. Não é difícil imaginar que a vida não era muito fácil para uma menina nessa época, ainda mais quando se é a única filha entre sete filhos.
Ela é uma menina muito curiosa e observadora, e quando seu irmão Harry lhe presenteia com uma caderneta de couro vermelho, afirmando que ela é uma naturalista em formação, inicia uma aventura para se tornar mesmo uma naturalista sem nem ao menos saber o que isto significa.

Depois do e ganhar a caderneta ela começa a registrar hipóteses e questionamentos sobre suas observaçãos da natureza e a pergunta propulsora da “evolução” de Calúrnia surge quando ela encontra uma espécie de gafanhoto diferente dos demais, por que eles são maiores e com uma cor amarelada é algo que intriga a menina de tal maneira que ela parte em busca de respostas que a observação não dá conta de responder.

Essa busca faz com que ela procure o livro A Origem das Espécies, de Charles Darwin na biblioteca da cidade, o que causa um estranhamento muito grande da bibliotecária.  O que Calpúrnia não fazia ideia é que seu avô, Capitão Walter Tate, um naturalista considerado pela família como esquisito e excêntrico, tem um exemplar do precioso livro. A curiosidade sobre os gafanhotos aproxima os dois e juntos começam a construir uma relação muito diferente da que tinham até então.

O livro é uma dessas leituras que acalentam o coração, é delicioso acompanhar o crescimento do companherismo e a amizade do avô e da neta através da mútua paixão pela ciência. Calpúrnia é uma cientista nata, uma menina à frente de seu tempo, que amadurece muito com a mediação do avô, ampliando seu conhecimento do mundo, isso também faz com que ela perceba o quanto o papel designado à mulher em 1899 é muito diferente daquele que ela almeja.

“Limpei a garganta: – Vovô… – depois, perdi a coragem.
– Sim, Calpúrinia?
– As meninas… As meninas também podem ser cientistas – nós dois fingimos não ouvir o tremor na minha voz. – Não podem?
Ele deu uma boa baforada no seu charuto, depois bateu a cinza.
(…)
– Você lembra de quando nos sentamos perto do rio alguns meses atrás e conversamos sobre Copérnico e Newton?
– Lembro – como é que eu poderia me esquecer?
– Nós não falamos sobre o elemento da senhora Curie? Sobre a coruja-do-mato da senhora Maxwell?
– Não.
– Sobre as equações da senhorita Kovalevsky? As viagens da senhorita Bird às Ilhas Sanduíche?
– Não.
– Quanta ignorância – ele murmurou, e logo lágrimas saltaram aos meus olhos. Eu era uma menina tão ignorante? Ele continuou: – Por favor, perdo-me pela minha ignorância, Calpúrnia. (…) Deixe-me contar sobre essas mulheres.”  (pg. 291-291)

Essa leitura me tocou profundamente de muitas formas, principalmente pela empatia à primeira vista que tive com Calpúrnia, tenho um fraco por protagonistas femininas que se sentem deslocadas e diferentes quando na verdade são pioneiras, e que se empoderam através da ciência e do conhecimento rompendo paradigmas. Outro ponto que me  agradou foi que esse processo de evolução de Calpúrnia se deu através da relação linda dela com o avô, Capitão Tate é um rabugento carismático que pulsa paixão pela ciência de tal forma que contagia.

“O vagalume de Travis foi, na verdade, o único avistado naquela noite. Embora eu soubesse que dali a um ano os vagalumes voltariam, pareceu a extinção da espécie. Como é triste ser o último da sua espécie, sinalizando no escuro, sozinho, para o nada. Contudo, eu não estava sozinha, estava? Tinha aprendido que havia outras do meu tipo, lá fora.” (pg. 293)

A Evolução de Calpúrnia Tate é daqueles livros que apesar de terem uma história fechada  deixam um gosto de quero mais, sendo assim fiquei muito feliz ao saber que o livro tem uma continuação (The Curious World of the Calpúrnia Tate) ainda sem previsão de lançamento no Brasil. Reforço o encantamento que tive ao ler essa história que pode enganar à primeira vista mas que se mostra uma jornada de auto-conhecimento e do poder de sonhar e  de lutar por aquilo em que se acredita.

KELLY, Jacqueline. A evolução de Calpúrnia Tate. São Paulo: Editora Única, 2014.

Razão e Sentimento, Jane Austen

razao-e-sentimento– […] A grandeza não vai me trazer felicidade.
– Seria estranho se trouxesse! – exclamou Marianne. – O que é que a riqueza ou a grandeza têm a ver com a felicidade?
– A grandeza tem bem pouco – disse Elinor -, mas a riqueza tem muito a ver com ser feliz.
– Elinor, que vergonha! – disse Marianne. – O dinheiro só pode proporcionar felicidade quando não há nada mais que a proporcione. Além de uma subsistência, ele não pode oferecer nenhuma satisfação autêntica, na medida em que um mero interesse pessoal está em causa.
– Talvez – disse Elinor, sorrindo – possamos chegar a um mesmo ponto de entendimento. A sua subsistência e a minha riqueza são muito semelhantes, ouso dizer, e sem elas, com o mundo que temos hoje, ambas concordaremos que todos os tipos de conforto externo estarão indisponíveis. Suas ideias são apenas mais nobres do que as minhas. Diga-me, qual é a sua ideia de subsistência?
– Cerca de 1.800 ou 2 mil libras por ano, não mais do que isso .
Elinor riu
– Duas mil libras por ano! Mil é a minha riqueza! Imaginei como isso acabaria. (pg. 106)

A trama central da história gira em torno das irmãs Elinor e Marianne Dashwood, que após a morte do pai ficam em uma situação muito complicada e perdem inclusive a casa ondem moravam. Junto com a mãe e irmã mais nova, Margareth, elas se mudam para um pequeno chalé, em Devonshire, oferecido por um parente distante. Na nova morada as quatro Dashwood são calorosamente acolhidas por todos e logo Marianne se encanta com Willoughy, o relacionamento entre os dois jovens evolui de tal forma que todos tem o casamento entre eles como fato praticamente consumado, os únicos que se mantém reticentes quanto à isso são o Coronel Brandon, um homem gentil de 35 anos, o que o torna muito velho segundo os padrões de Marianne e Elinor pois, ela acredita que o casal deveria ser menos ostensivo quanto aos seus sentimentos antes de assumirem publicamente o noivado.

Elinor, que representa a razão do título da obra, muito pouco deixa transparecer de seus sentimentos para as outras pessoas com as quais convive, no entanto isso não a isenta do sofrimento e da aflição, antes de partir de Norland ela conheceu Edward Ferrars e apesar do temperamento discreto e reservado de ambos, eles claramente se encantam um com o outro e não é sem dor no coração que a jovem descobre que a família do rapaz se opõe fortemente a um relacionamento entre os dois apesar do meio-irmão mais velho dela ser casado com a irmã dele.

Uma das características que gosto nas histórias da autora é que ela cria personagens muito humanos, alguns são tão, mas tão verossímeis que chegam a irritar, como é o caso da Sra. Jennings por quem nutri durante toda a narrativa sentimentos conflitantes, pois embora muitos a considerem generosa, e ela de fato é em alguns momentos, a característica que mais me salta aos olhos é sua capacidade de se outorgar o direito de decisão sobre a vida alheia. Já o casal Willoughy e Marianne comungam de particularidades capazes de me fazerem querer arrancar os cabelos: são preconceituosos, egoístas e mimados mas acima de tudo julgam os outros sem nem ao menos tentar se colocar no lugar do outro.

“- Se o senhor apenas nos permitisse saber qual é esse seu negócio – disse a sra. Jennings -, teríamos condições de analisar se ele poderia ser adiado ou não.
– O senhor sairia tão somente seis horas mais tarde , ou nem isso – disse Willoughy -, se tivesse de adiar sua viagem até nosso retorno.
– Eu não posso me dar ao luxo de perder sequer uma hora.
Então Elinor ouviu Willoughby dizendo, em voz baixa, para Marianne:
– Há certas pessoas que não são capazes de suportar um passeio prazeroso. Brandon é uma delas. Ele ficou com medo de apanhar um resfriado, ouso dizer, e inventou esse truque para se safar. Eu apostaria cinquenta guinéus que a carta era de seu próprio punho.
– Não tenho dúvida disso – respondeu Marianne.” (pg. 79)

Elinor é sem dúvida minha personagem favorita, apesar de achar que muitas vezes ela sofre desnecessariamente, ela é o tipo de pessoa que se importa genuinamente com o outro, consegue se questionar e refletir sobre as motivações de atitudes aparentemente levianas, essa postura perante a vida é o que me faz admirar essa personagem que por vezes parece guiar sua vida pela opinião dos outros, mas que na verdade é apenas uma jovem inteligente que sabe quais brigas vale a pena comprar.

“Não Marianne, nunca. Minha doutrina nunca visou à sujeição do entendimento. Tudo que sempre tentei influenciar foi o comportamento. Você não deve confundir o que quero dizer. Sou culpada, confesso, de ter desejado muitas vezes que você tratasse os nossos conhecidos, de um modo geral, com maior atenção; mas quando foi que aconselhei a você que adotasse os sentimentos deles ou se conformasse ao julgamento deles em assuntos sérios?”

Razão e Sentimento foi o quarto livro de Jane Austen que li e ele só veio confirmar a minha adoração pela escritora, alguns podem estranhar o título que no Brasil de maneira geral é traduzido como “Razão e Sensibilidade”, eu estranhei, mas isso foi só até terminar a leitura porque depois achei a escolha do tradutor Rodrigo Breunig muito apropriada, pois a palavra sentimento traduz de forma mais literal a personalidade de Marianne, visto que sensibilidade eu associo mais facilmente à capacidade de se colocar no lugar dos outros e a delicadeza dos sentimentos e esse não é o caso, visto que a personagem é uma pessoa visceral, que exacerba seus sentimentos de forma nua e crua, sem pudores.

Jane Austen, como sempre, criou uma história que vai muito além do que parece, para além da superficialidade das conversas e atitudes das personagens o que encontramos em Razão e Sentimento é uma profunda análise do ser humano e a forma como nos relacionamos em sociedade.

“Elinor concordou com tudo, pois não pensava que ele merecesse o elogio de uma oposição racional.” (pg. 269)

AUSTEN Jane. Razão e Sentimento. Porto Alegre: L&PM, 2012.

Desafio Corujesco: Um autor que indico para todo mundo

Juro que quando vi o tema do Desafio Corujesco proposto pela Lu, desatei a rir, por que convenhamos qualquer leitor do Bibliophile sabe quem será o indicado. Contudo, como também é factível que esse espaço precisa de renovação e dedicação, não vou me abster em falar do meu amado Gaiman, salve, salve!

“Lembre-se do seu nome.
Não perca a esperança – o que você procura será encontrado.
Confie nos fantasmas. Confie que aqueles que você ajudou vão ajudá-lo por sua vez.
Confie nos sonhos.
Confie no seu coração, e confie na sua história.”

Hoje vou falar um pouso de uma obra que ainda não apareceu por aqui, o belíssimo “Instruções: Tudo que você precisa saber durante a sua jornada”. O livro é de uma simplicidade absurda e ainda o poema sobre o que encontramos em uma jornada ao mundo dos contos de fadas é infinitamente encantador. Sua força reside justamente na delicadeza dessa história sobre descobertas e autoconhecimento.

instruções
O livro é ilustrado por Charles Vess, e ele como sempre, o faz de forma maravilhosa, particularmente adoro a parceria entre os dois. Instruções não é um texto inédito ele já foi publicado na coletânea Coisas Frágeis 2, mas isso não tira o brilho desta obra, que posso resumir como uma declaração de amor à fantasia.

Bônus: lista dos motivos pelos quais todo mundo deveria se converter à leitura de Neil Gaiman (em cinco itens):

1 – Gaiman tem o poder de escrever histórias que mexem com o leitor de formas nunca antes imaginadas.
2 – Gaiman é sarcástico e irônico sem perder a classe.
3 – Gaiman ressignifica histórias, transformando-as em algo totalmente novo
4 – Gaiman tem uma escrita peculiar que te prende, que te deixa sempre com um gosto de quero mais.
5 – Gaiman é gentil e fofo, e sim isso é motivo para ler sua obra 😉

O chamado do Monstro

chamadoEu encontrei O chamado do Monstro por acaso, a capa me chamou bastante atenção e depois de ler a contracapa decidi logo que seria minha próxima leitura.
O próprio livro tem uma história curiosa: a ideia original é da Siobhan Down, autora de A carne dos Anjos, que segundo Patrick Ness “criou os personagens, uma presmissa e um começo. Mas não teve, infelizmente, tempo de ir em frente.” Siobham faleceu de câncer e coube a Ness a tarefa de transformar o trabalho dela em um livro.
A história é sobre Conor O’Malley, um menino tímido de 13 anos que tem um vida bastante difícil. A mãe está gravemente doente, o pai mora em outro país com sua nova família, a avó materna é distante, ele sofre bullying na escola.
E além de tudo isso, o monstro aparece.
O monstro é um velho Teixo, que sempre esteve atrás da casa do menino, que subitamente ganha voz e movimento e ele vem atrás do que há de mais ameaçador: a verdade.

Essa é uma história forte, singela, linda e que mexe muito com o leitor. A narrativa é muito bem construída, cada detalhe está ali por que precisa estar. Somos tragados pelos sentimentos desesperadores de Conor e trilhamos com ele uma jornada de crescimento que não tem necessariamente um final feliz, mas indiscutivelmente libertador.
Certamente Jim Kay, o ilustrador da obra, cunhou a definição que mais se assemelha ao que vivenciei com essa leitura:

“Acredite, é uma história memorável. E devo alertar que não se pode controlá-la. Pegue seu livro, se esconda do mundo e se jogue nas engrenagens de um triturador emocional”.

A Editora Ática publicou uma animação muito bonita para o lançamento do livro.

NESS, Patrick. O chamado do monstro. Ilustração Jim Kay. Tradução Antonio Xerxenesky. São Paulo: Ática, 2013.

O Circo da Noite

Circo-da-Noite“Alguém precisa contar essas história. Quando batalhas são travadas, vencidas e perdidas, quando piratas encontram tesouros e os dragões comem seus inimigos no café da manhã acompanhados de uma bela xícara de chá, alguém precisa contar as próprias narrativas superpostas. Existe maga nisso. Está nas pessoas que ouvem, e será diferente para cada ouvido, e vai afetá-los de formas que nunca poderão prever. Desde o mundano até o mais profundo. Você pode contar uma história que passe a morar na alma de alguém , se transforme em seu sangue e seu propósito. Essa história vai motivar e impulsionar e quem sabe o que ela poderá fazer por causa disso, por causa das suas palavras. Esse é o seu papel, o seu talento.” Pg. 360

Eu li O circo da noite, por causa da Lu e de um comentário que o Alexandre deixou em um post aqui no blog, e não me arrependi. A obra é bastante singular, o ritmo foge do padrão frenético, alguns podem até argumentar que a narrativa é lenta e sem fluidez, mas para mim isso conferiu uma singeleza e um clima de suspense muito adequado à história.

Célia e Marco tem seus destinos traçados muito antes de se conhecerem, eles são criados por dois mágicos: Hector mentor e pai de Célia e Alexander, mentor de Marco, que os educam única e exclusivamente para participarem de um desafio de magia.

O palco da batalha entre os dois é o Le Cirque des Rêves (Circo dos sonhos), criação do visionário produtor Chandresh Cristophe Lefèvre, ele é concebido para ser um lugar mágico, misterioso e que assombre os espectadores com suas atrações sui generis. Não demora-se muito tempo para perceber que o circo é na verdade o personagem principal dessa história encantadora.

O foco narrativo não fica apenas em Célia e Marco, ou mesmo no circo, ele transita por uma miríade de personagens cativantes, como uma contorcionista japonesa, uma leitora de cartas de tarô, os gêmeos que nasceram no circo, o construtor de relógios e fã incontestável do circo, entre muitos outros. São várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, e todas se entrelaçam na tessitura da melodia que embala essa história incomum.

Sem dúvida, O circo da noite é um livro singelo e peculiar que exige uma leitura atenta e apurada, mas que vale por sua aura de magia e extrema delicadeza. Ainda assim, concordo com a Lu e não indicaria a obra indiscriminadamente para todos, mas para alguns pode ser uma bela surpresa.

MORGENSTERN, Erin. O Circo da Noite. Tradução de Cláudio Carina. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012.

O oceano no fim do caminho

oceano

“No meu sonho, aquela era a lígua do que é, e tudo o que fosse falado nela se tornava realidade, porque nada dito com ela pode ser mentira. A língua é o fundamento da construção de tudo.” (p. 56)

Depois de dez anos, eis que surge um novo romance adulto do Gaiman, confesso que esperei pelo lançamento como se não houvesse amanhã 😉
Um leitor mais aplicado e que acompanha a obra de Gaiman facilmente encontra familiaridade com as referências presentes na história, o próprio Gaiman já falou em entrevistas sobre as ligações entre seus livros, e é sempre muito gratificante perceber o poder que ele tem de reinventar e articular o mesmo universo literário em histórias tão diferentes.
O oceano no fim do caminho tem um protagonista sem nome, que aos 47 anos retorna a sua terra natal para um enterro, e se vê recordando uma história há muito enterrada nas profundezas do seu subconsciente.
Somos sugados para as lembranças desse homem e a partir de então, vemos tudo sob a ótica de um assustado menino de 7 anos, que vê seu mundo ser povoado de acontecimentos e criaturas pertubadoras.
Gaiman é um mestre da escrita, sim isso soa um clichê, mas nem por isso deixa de ser visceralmente verdadeiro, poucos autores que li, conseguem fazer o que ele faz. Ele cria um universo onírico em que não sabemos mais se estamos apenas presenciando a explicação criada pela mente de uma criança para elaborar acontecimentos terríveis ou, se o horror mágico é mesmo real, o que é extremamente inquietante, porque na verdade as duas possibilidades são essencialmente perturbadoras.
A angústia é um sentimento constante durante a leitura, assim como a sensação inquietante de sentir-se encurralado e sem perspectivas. Contudo, a melancolia é pungente e sentimos que mesmo perturbado pelas lembranças, o menino sente uma nostalgia por tudo que viveu.
Enfim, Gaiman mais uma vez me surpreendeu e me fez amá-lo ainda mais, este é, como ele mesmo define, um “um livro sobre o poder que as histórias fornecem para enfrentar a escuridão dentro de cada um de nós.”

GAIMAN, Neil. O oceano no fim do caminho. Tradução de Renata Pettengill. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.

A arma da casa

armadacasaUma trama que a primeira vista parece simples, mas que no percurso vai se mostrando densa, profunda e inquietante. A narrativa é crua, sem rodeios e já nas primeiras linhas os fatos se descortinam, e a despeito da incredulidade dos pais, Duncan matou mesmo um homem.

Neste livro não encontramos grandes mistérios arquitetados pelo homem, mas nos confrontamos com os lados mais obscuros da psiquê humana, e nesse aspecto reside a grandeza dessa obra. Nadine Gordimer construiu um romance perturbador justamente porque trás à tona aquilo que preferimos deixar bem trancado nos porões obscuros de nossas mentes.

Ao acompanhar Cláudia e Harald é impossível não se angustiar, não se questionar, como eles. É uma leitura que incomoda, que mexe de múltiplas formas com o leitor. É claro que esta não é uma leitura fácil, em certos trechos chega a ser angustiante levar a leitura adiante, mas ainda assim para mim foi impossível largar o livro até ler o desfecho e mesmo após terminada a leitura esse livro ficou ecoando na minha mente por muito tempo.

GORDIMER, Nadine. A arma da casa. Tradução de Palo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

O silêncio da chuva

silencioUm suicídio, que para a polícia parece assassinato, dá início a uma trama intrincada que nos envolve desde o princípio. O inspetor Espinosa foge um pouco do estereótipo de detetive brilhante que resolve tudo sozinho, bem pelo contrário o solitário policial que tem como lazer percorrer sebos do Rio de Janeiro atrás de preciosidades literárias se sente tão ou mais perdido que o leitor durante a investigação.
A narrativa de Garcia-Roza é simples, direta e elegante, as divagações existenciais e filosóficas de Espinosa são ótimas e dão ao livro um tom psicológico que é potencializado pela vozes narrativas que se intercalam, nos colocando dentro dos pensamentos de diversas personagens.
Essa foi uma leitura curiosa, pois ao mesmo tempo em que o livro me prendeu, fiquei muito incomodada com diversos aspectos da trama. Este estranhamento foi tamanho que, apesar de ter gostado da leitura, não me atrevo a indicar o livro.

GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. O silêncio da chuva. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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Essa leitura faz parte do Desafio Literário 2012  cuja temática do mês de Julho era a leitura de ganhadores do Prêmio Jabuti.

Aqui é possível ler as resenhas dos outros participantes.

Ler para crescer

a-verd-hist.-dos...1Vamos ler para crescer? A indicação de hoje é um livro encantador e polêmico, pois traz a versão do lobo mau para a história dos três porquinhos. Ela foi contada à Jon Scieszka por Alexandre T. Lobo, que garante, tudo não passou passou de armação e na verdade ele só queria uma xícara de açúcar emprestada.
O livro é um graça, um dos preferidos do guri desde a primeira leitura. A história é divertida, bem escrita e ajuda às crianças a compreenderem que um fato sempre tem vários pontos de vista.
A edição é da Companhia das Letrinhas, e como sempre é um capricho com papel de qualidade e diagramação perfeita. As ilustrações de Lane Smith são um show à parte e fazem uma parceria harmoniosa com o texto. Leitura mais que recomendada.

SCIESZKA, Jon. A verdadeira história dos três porquinhos!. Tradução de Pedro Maia Soares. Ilustrações de Lane Smith. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.